Algumas coisas nos marcam com profundidade em nosso cotidiano, a observação nos locais coletivos é uma delas. Para algumas pessoas esse cotidiano passa sem marcas, em outros casos, a realidade pode transformar a vida de quem olha.
Num desses dias de olhar desperto, estava no Metro de Santiago, linha vermelha indo em direção ao Centro Histórico, quando uma senhora de uns setenta e poucos anos, entrou no vagão onde eu estava, todos os lugares estavam ocupados e eu inclusive estava sentada confortavelmente e já me preparando para levantar e ceder o lugar a ela, quando me olha muito esperta e sem falar nada deixou claro que não iria sentar-se. Estava com uma mala preta, ja bem desgastada, com as rodinhas. Se apoiou num canto acertou com muita agilidade a alça da mala e ali ficou, olhava tudo com um olhar infantil, muito atento. Tinha óculos de aros de acrílico, tradicionais e claros. levava uma espécie de boina de flores azuis muito miudinhas, um encanto. Olhava tudo curiosa, alegre, quase sorrindo, íamos com nossos pensamentos e eu a olhava com interesse delicado, quando se virou e sorriu graciosamente! Nessa hora essa senhora passou a ter seus vinte e tantos anos, me iluminei, aquecida por dentro com sua ligeireza jovial, de alma. Encantada com a vida!
Soou a campainha, outra estação chegando, abrem-se as portas e muitas pessoas entram, outras saem e uma delas nos chamou a atenção, a mim e a minha companheira de olhares à vida: uma outra senhora de seus cincoenta e poucos anos, de roupas escuras, cabelos rígidos, sapatos de irmandade católica, com uma aliança na mão esquerda, brincos discretos. olheiras opacas, uma bolsa bem cuidada, sentou-se perto de mim, colocou a bolsa sobre suas pernas na posição primeira dama, aquilo de trançar os pés e coloca-los de ladinho. Coisas de discrição.
Seu olhar vago para com tudo e com todos era dolorido de se observar. Parecia morta em vida, imaginei que algum luto ou desespero que poderia ter passado, algo de depressão por doença, ou simplesmente porque estava morta pra vida, aparentava nessa hora uma idade acima de oitenta anos.
Me solidarizei com a senhora B, mas definitivamente a senhora A tinha lido meus pensamentos, me olhava e olhava a outra senhora da mesma forma curiosa que eu. Trocamos olhares, abaixando nossas cabeças, com um certo medo de que descobrissem nossa sintonia. Como que agradecendo por já termos descoberto um dos segredos da vida.
O mundo corria rápido ali fora, mas nós viajávamos no nosso tempo dentro do vagão.
Um tempo senhor de si e de nossas idades, estacionamos na idade da curiosidade entusiasmada com a vida!
Minha estação foi sinalizada. A senhora A, ainda perdida em seus calçados polidos, nem se movimentava. Levantei-me, arrumei a mochila nas costas, levantei o queixo e sorri o melhor dos sorrisos que poderia ofertar à senhora B, que à partir de agora chamarei de Maude!
Acesse:http://www.youtube.com/watch?v=sTPPWfHrYRw&feature=fvsr
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Ela sorriu, com as mãos, tocamos ao mesmo tempo o coração! a porta se abriu pra realidade e lá fui eu, transformada.
Num dia, onde tempo e espaço inexistiram, pelo menos para nós.
Desse momento em diante, resolvi praticar um exercício, o de ampliar minha tolerancia, compreender ainda mais ao próximo, aceitar ao outro como ele é, pois tudo é virtude. É um exercício difícil, muto difícil, mas tem sido meu novo aprendizado.
De Chile, Elaine